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A nova luta por reconhecimento: o trabalho invisível dos aplicativos

16/10/2025

No trânsito das grandes cidades, entre buzinas, entregas e telas de celular, move-se um exército invisível. São homens e mulheres que pedalam, dirigem, pilotam e correm contra o tempo, conectados a plataformas que prometem liberdade, mas impõem algoritmos. Trabalham sem carteira assinada, sem férias, sem 13º, sem seguro. São o novo rosto do trabalho precarizado, uma classe trabalhadora que existe, mas que o Direito ainda não reconheceu plenamente.
A chamada “uberização” das relações de trabalho nasceu sob o discurso da autonomia. As plataformas digitais se apresentaram como intermediárias tecnológicas, não empregadoras. “Você é seu próprio chefe”, diziam. Na prática, porém, o controle é minucioso: o tempo de resposta, o número de corridas, as avaliações dos clientes, o mapa de calor da cidade. Tudo é medido, registrado e transformado em pontuação. A subordinação é invisível, mas está lá, travestida de liberdade.
Como advogada, vejo diariamente crescer o número de ações que pedem o reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas, entregadores e as plataformas. Os tribunais ainda oscilam: ora reconhecem o vínculo, ora negam, com base na ausência de pessoalidade ou habitualidade. Falta, talvez, compreender que o modelo de subordinação digital exige uma leitura nova do Direito, mais próxima da realidade concreta do trabalho no século XXI.
A Reforma Trabalhista de 2017 flexibilizou direitos em nome da modernização, mas não previu o impacto da economia de aplicativos. De lá para cá, milhões de brasileiros migraram para essas plataformas, muitas vezes como única alternativa de renda. Dados do IBGE indicam que cerca de 1,7 milhão de pessoas dependem hoje diretamente de aplicativos para sobreviver. É um contingente maior que o de muitos setores formais da economia.
Mas o problema não é apenas jurídico. É também social e humano.
Há entregadores que pedalam 12 horas por dia para garantir o mínimo. Motoristas que rodam madrugadas inteiras sem descanso, expostos à insegurança e ao cansaço extremo. São trabalhadores essenciais, mas tratados como se fossem empreendedores individuais, uma ficção conveniente para quem lucra com sua força de trabalho sem precisar arcar com direitos.
Como sociedade, precisamos discutir o que significa “trabalho digno” em tempos digitais. Se o Estado não regula, o mercado o faz, e quase sempre em desfavor do trabalhador. O princípio da proteção, base do Direito do Trabalho, nasceu justamente para equilibrar forças desiguais. Ele não envelheceu; o que envelheceu foi nossa leitura de quem merece proteção.
Há países que já avançam. A Espanha aprovou a chamada “Lei dos Riders”, reconhecendo vínculo empregatício entre entregadores e plataformas. O Parlamento Europeu discute diretrizes semelhantes. No Brasil, ainda hesitamos entre modernidade e precarização. Falta coragem política para enfrentar os gigantes tecnológicos e atualizar a legislação sem sufocar a inovação.
Enquanto isso, o invisível segue pedalando.
Trabalha sem garantias, sem voz e, muitas vezes, sem esperança. O Direito do Trabalho nasceu, há um século, para dar rosto, nome e dignidade a quem era invisível nas fábricas. Hoje, a história se repete, só mudou o cenário: saímos do chão de fábrica e entramos no asfalto e nas telas.
A luta por reconhecimento recomeça.
E, como toda luta trabalhista, começa com uma pergunta simples e poderosa: quem é o dono do tempo de quem trabalha?

UMA ESTRATÉGIA BEM SUCEDIDA, DESDE O PRIMEIRO DIA DE CONSULTA

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