16/05/2025
A forma de encarar o trabalho está mudando, e quem dita o ritmo dessa transformação é a Geração Z. Em busca de mais equilíbrio entre vida pessoal e profissional, muitos jovens estão aderindo aos chamados microturnos — jornadas de até seis horas que oferecem mais flexibilidade e autonomia no dia a dia. Segundo um relatório recente da Deputy, plataforma global de gestão de escalas e produtividade, 51,5% dos profissionais que optam por esse modelo fazem parte da Geração Z. Ainda assim, a adesão a esse formato não se restringe aos mais jovens. Também há um número crescente de profissionais mais velhos, como os da geração Baby Boomer, preferindo turnos mais curtos, o que indica uma mudança estrutural e intergeracional no mercado de trabalho.
A tendência dos microturnos representa um movimento que vai além do estilo de vida. Ela levanta discussões importantes do ponto de vista jurídico e social. Embora o discurso predominante seja o da liberdade e da qualidade de vida, é preciso observar com atenção os desdobramentos práticos desse modelo. O fracionamento da jornada, se não for acompanhado de uma regulação clara e adequada, pode mascarar novas formas de sobrecarga e precarização. Afinal, muitos profissionais, especialmente mulheres jovens, acumulam dois ou mais microturnos por dia para compor sua renda — uma realidade que evidencia tanto o apelo da flexibilidade quanto a necessidade econômica que ainda empurra trabalhadoras para múltiplos vínculos.
Os dados do relatório da Deputy também mostram que as mulheres são maioria entre os adeptos desse modelo. Jovens do sexo feminino — 68% da Geração Z e 25% da geração Millennial — estão entre as que mais acumulam empregos, tentando equilibrar as contas diante de pressões econômicas e responsabilidades familiares. Essa dinâmica reforça desigualdades históricas no mundo do trabalho, ainda que sob um novo formato.
A popularidade dos microturnos tem se concentrado nos setores de hospitalidade, serviços e logística — áreas que, em geral, têm menor rigidez regulatória quanto à duração e organização da jornada. Já em segmentos como a saúde, onde o controle legal é mais rigoroso, a adoção desse modelo ainda é mais tímida. Do ponto de vista jurídico, essa nova configuração exige atenção redobrada. É necessário garantir que a flexibilização da jornada não se transforme em fragilização dos direitos trabalhistas. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, impõe limites à duração do trabalho, aos intervalos e ao número de horas extras, e nem todas essas regras são facilmente adaptáveis a jornadas tão curtas e fragmentadas.
Diante desse cenário, o Direito do Trabalho se vê diante de um novo desafio: acompanhar a evolução do mundo profissional sem perder de vista a proteção do trabalhador. A lógica dos microturnos pode representar uma forma mais inteligente e humana de se organizar o tempo, desde que acompanhada de políticas públicas, acordos coletivos e normas que garantam condições dignas de trabalho. Trabalhar menos horas não pode significar trabalhar em piores condições.
Em tempos de transformações aceleradas, os microturnos não são apenas uma tendência passageira, mas um sintoma claro de que os modelos tradicionais de jornada estão sendo questionados. Cabe agora ao Direito — e à sociedade — refletir sobre como regulamentar essas mudanças sem abrir mão dos princípios fundamentais da dignidade, da segurança e da justiça nas relações de trabalho.